sexta-feira, 13 de julho de 2012

Pensamento Alheio: Manoel de Barros


O Fotógrafo
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa,
Eram quase quatro da manhã.
Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava
na aldeia de braços com Maiakovski – seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Ninguém ou outro poeta no mundo
faria uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
Ensaios Fotográficos.Manoel de Barros.Editora Record. 

Manoel de Barros
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